"Se esse não é um golpe de Estado, é no mínimo uma farsa. E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política infelizmente são os brasileiros."
Dilma Rousseff, a primeira presidente mulher do Brasil, está
vivendo seus últimos dias no comando do Estado. Praticamente não há mais
dúvidas sobre o resultado do julgamento de sua destituição, iniciado na
quinta-feira (25) no Senado. A menos que aconteça uma reviravolta, a sucessora
do adorado presidente Lula (2003-2010), que foi afastada do cargo em maio, será
tirada definitivamente do poder no dia 30 ou 31 de agosto.
Dilma Rousseff cometeu erros políticos, econômicos e
estratégicos. Mas sua expulsão, motivada por peripécias contábeis às quais ela
recorreu bem como muitos outros presidentes, não ficará para a posteridade como
um episódio glorioso da jovem democracia brasileira.
Para descrever o processo em andamento, seus partidários dizem
que esse foi um "crime perfeito". O impeachment, previsto pela
Constituição brasileira, tem toda a roupagem da legitimidade. De fato, ninguém
veio tirar Dilma Rousseff, reeleita em 2014, usando baionetas. A própria
ex-guerrilheira usou de todos os recursos legais para se defender, em vão.
Impopular e desajeitada, Dilma Rousseff acredita estar sendo
vítima de um "golpe de Estado" fomentado por seus adversários, pela
mídia, e em especial pela rede Globo de televisão, que atende a uma elite
econômica preocupada em preservar seus interesses supostamente ameaçados pela
sede de igualitarismo de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT).
Inimiga número um de parte dos brasileiros
Essa
guerra de poder aconteceu tendo como pano de fundo uma revolta social. Após os
"anos felizes" de prosperidade econômica, de avanços sociais e de
recuo da pobreza durante os dois mandatos de Lula, em 2013 veio o tempo das
reivindicações da população. O acesso ao consumo, a organização da Copa do
Mundo e das Olimpíadas não conseguiam mais satisfazer o "povo", que
queria mais do que "pão e circo". Ele queria escolas, hospitais e uma
polícia confiável.
O escândalo de corrupção em grande escala ligado ao grupo
petroleiro Petrobras foi a gota d'água para um país maltratado por uma crise
econômica sem precedentes. Profundamente angustiados, parte dos brasileiros
fizeram do juiz Sérgio Moro, encarregado da operação "Lava Jato", seu
herói, e da presidente sua inimiga número um.
A ironia quis que a corrupção fizesse milhões de brasileiros
saírem para as ruas nos últimos meses, mas que não fosse ela a causa da queda
de Dilma Rousseff. Pior: os próprios arquitetos de sua derrocada não são
santos.
O homem que deu início ao processo de impeachment, Eduardo
Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, é acusado de corrupção e de
lavagem de dinheiro. A presidente do Brasil está sendo julgada por um Senado
que tem um terço de seus representantes, segundo o site Congresso em Foco, como
alvos de processos criminais. Ela será substituída por seu vice-presidente,
Michel Temer, embora este seja considerado inelegível durante oito anos por ter
ultrapassado o limite permitido de doações de campanha.
O braço direito de Temer, Romero Jucá, ex-ministro do
Planejamento do governo interino, foi desmascarado em maio por uma escuta
telefônica feita em março na qual ele defendia explicitamente uma "mudança
de governo" para barrar a operação "Lava Jato".
Se esse não é um golpe de Estado, é no mínimo uma farsa. E as
verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política infelizmente são os brasileiros.
Editorial do jornal Le Monde
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