por Djamila
Ribeiro— publicado 17/04/2017 00h20, última modificação 13/04/2017 12h23
Mulheres
não são uma categoria única. Partem de diferentes pontos. Entender essas
diferenças é essencial
É preciso
resistir à tentação das fórmulas simples, diria Simone de Beauvoir. Quando
falamos em opressão de gênero, mais ainda.
Ultimamente,
temos acompanhado importantes mobilizações acerca de opressões que atingem as
mulheres. Acredito que quanto mais se falar no tema, mais contribui na conscientização
dos seres humanos e numa maior transformação de mentalidade. Fazendo jus ao
conselho de Beauvoir, questiono, porém: é possível falar em unidade das mulheres?
É possível ainda insistir numa suposta universalidade da categoria mulheres?
Como
as feministas negras historicamente têm nos ensinado, é necessário nomear as
opressões, entender que mulheres partem de diferentes pontos de partida e que
existem variadas possibilidades de ser mulher. Entender essas diferenças é
essencial para o prosseguimento da luta feminista. Mas quando dizemos “mexeu
com uma, mexeu com todas”, estamos de fato nos referindo a todas ou à categoria
que se pretende universal?
Para
além disso, se faz importante questionar os modos pelos quais as identidades
são colocadas. bell hooks (a intelectual prefere que se escreva assim, em
minúsculo) aponta para a necessidade de se transpor uma identidade vitimada
para uma identidade de resistência militante.
Em
“Recusando a ser uma vítima: obrigação e responsabilidade”, a
pesquisadora diz: “Quando meu livro Feminist Theory: From Margin to Center
foi publicado em 1984, eu encorajava as mulheres engajadas no movimento
feminista a evitar o manto da vitimização na nossa busca para chamar a atenção
pública a respeito da necessidade de acabar com o sexismo, exploração e
opressões sexistas. Criticando uma cisão de irmandade fundamentada em
vitimização compartilhada, eu encorajava as mulheres a se unirem pelas bases da
solidariedade política”.
A
pesquisadora prossegue: “Parecia irônico para mim que as mulheres brancas que
mais falavam sobre serem vítimas eram as mais privilegiadas e tinham mais poder
do que a vasta maioria das mulheres em nossa sociedade. Vinda de comunidades
feministas no Sul segregacionista, eu nunca tinha escutado das mulheres negras
sua vitimização.
Enfrentando
a dureza, a destruição causada por falta e privação econômica, a injustiça
cruel do apartheid racial, eu vivia em um mundo em que as mulheres
ganhavam força no compartilhamento de saber e recursos, e não porque se
juntavam na base de serem vítimas. Nós nos identificávamos mais pela
experiência da resistência e triunfo do que pela natureza da nossa
vitimização”.
Embora
sejamos vítimas de uma estrutura opressora, hooks nos invoca a pensar em
estratégias para além de um discurso que imobiliza. Fora isso, ela alerta para
o uso desse discurso como forma de mulheres brancas pleitearem direitos dentro
do mundo masculino branco e não para a construção da transformação real.
Para
pensarmos um novo projeto – e feminismo é pensar novos modelos para além de
pleitear políticas identitárias –, precisamos buscar e entender de modo mais
profundo a raiz das opressões de gênero, classe e raça.
Enquanto
as forças estiverem em prol somente de um grupo de mulheres, adiaremos cada vez
mais a luta por uma transformação fundamental. Conteúdo da revista Carta Capital
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